De acordo com a nossa legislação, não fica muito claro a possibilidade da cobrança, pois nosso país não permite o livre exercício dos chamados “jogos de azar”. Porém se a legislação do país em que a dívida é contraída (o Uruguai por exemplo), onde o jogo é permitido permitir, abre-se a possibilidade. Temos esse dilema jurisdicional, como uma das indefinições sobre o Direito Internacional. A aplicação prática nesse tema ainda é um tanto quanto contraditória.
De acordo com o estudo realizado, sobre a jurisprudência atual, acredita-se que existe sim a possibilidade de o credor de dívidas oriundas de jogos de azar no exterior vir a cobrar o seu devedor. Essa dívida não ofende a ordem normativa pública nacional, pois não contraria a legislação vigente no Brasil. O jogo é proibido em nosso país, dessa forma quando um brasileiro contrair dívidas no exterior, em países onde o jogo é permitido, em tese, tem início um conflito de legislações.
Assim temos que as obrigações no Brasil podem ser as de dar, de fazer ou de não fazer, reguladas em âmbito internacional pela LICC. Porém, em alguns casos de obrigação a ser concretizada em território nacional, a jurisprudência encontrada diz que é passível a adaptação da lei estrangeira quanto à sua execução.
A dívida originária dos jogos de azar tem uma natureza obrigacional e, nesses casos, o direito brasileiro aplica como elementos de conexão a legislação local da realização do ato jurídico para reger a formalidade, do ato. Assim estabelece o artigo 9° da LICC.
*Art. 9° Para qualificar e reger as obrigações aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem.
§ 1° Destinando-se a obrigação a ser executada no Brasil e dependendo de forma essencial, será esta observada, admitidas as peculiaridades da lei estrangeira quanto aos requisitos extrínsecos do ato.
§ 2° A obrigação resultante do contrato reputa-se constituída no lugar em que residir o proponente.
Dessa forma o STF entende que direito estrangeiro, frente à LICC, deve ser aplicado sempre que a relação jurídica tiver maior conexão com o sistema jurídico onde o ato foi praticado, do que com o do foro do domicílio do devedor.
Na jurisprudência atual não temos ainda muitos exemplos de decisões que permitissem a cobrança de dívidas de jogo. Se partirmos de um pressuposto de que a dívida teve origem fora do país, deveria ser cobrada no país onde que ela foi contraída. Porém quando a dívida é firmada com um cidadão de origem Brasileira, em um país onde o jogo é permitido?
Analisando esses dois pontos de vista, percebemos a dificuldade de um tribunal decidir sobre a existência ou não dessa dívida. Pela ótica de cada país onde a ideia de soberania legislativa é preponderante, um país considera ilegal o jogo, e outro considera legal, inclusive fazendo do jogo fonte de renda e atrativo turístico.
*Aqui abaixo listamos os jogos de azar, denominados pela legislação vigente:
1- O jogo em que o ganho e a perda dependem exclusiva ou principalmente da sorte;
2- As apostas sobre corrida de cavalos fora de hipódromo ou de local onde sejam autorizadas;
3- As apostas sobre qualquer outra competição esportiva;.
O jogo não legalizado é considerado pela lei como contravenção penal, pois se considera o jogo ilegal, um delito cujo caráter ofensivo não atinge a integridade física, sendo penalmente pouco considerável, bem menos relevante do que grande parte dos crimes tipificados no código penal. Analisando os considerados jogos de azar, que são proibidos pela nossa legislação, nos demos conta de que muitos desses jogos, por exemplo, são realizados por instituições bancárias nacionais com apoio do governo federal. Ou seja, o que a legislação considera como contravenção penal, contraditoriamente tem enquadramento prático em diversas loterias criadas pelo próprio governo. Engraçado que quando é de seu interesse, quando lhe convém, o governo "passa" por cima da legislação, ou simplesmente faz "vista grossa", Assim, só o governo pode lucrar bilhões de reais explorando uma atividade de caráter ilícito. Talvez isso ocorra pelo receio de que o país, não consiga concorrer com os jogos em caráter privado, como é o caso dos cassinos nos países em que o jogo é legalizado. Creio que não, pois os tributos cobrados sobre os lucros também seriam muito altos.
Temos abaixo recente jurisprudência, favorável a possibilidade de cobrança da dívida:
EMBARGOS DO DEVEDOR - EXECUÇÃO - NOTAS PROMISSÓRIAS - DÍVIDA DE JOGO CONTRAÍDA NO EXTERIOR - ARTIGO 9º DA LEI DE INTRODUÇÃO AO CÓDIGO CIVIL - APLICABILIDADE - HOMOLOGAÇÃO DO STF - DESNCESSIDADE - VALOR EM MOEDA ESTRANGEIRA - POSSIBILIDADE. 9ºLEI DE INTRODUÇÃO AO CÓDIGO CIVIL - A dívida oriunda de jogo tem natureza obrigacional e, para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem (art. 9º da Lei de Introdução ao Código Civil). Não dependem de homologação pelo Supremo Tribunal Federal, para serem executados, os títulos executivos extrajudiciais, oriundos de país estrangeiro. (Art. 585, § 2º, do CPC). É legítimo o título que estipula pagamento em moeda estrangeira , desde que o pagamento se efetive pela conversão em moeda nacional. Precedentes STJ. Recurso PROVIDO. 9ºLei de Introdução ao Código Civil - 585 § 2ºCPC
(101450418797380011 MG 1.0145.04.187973-8/001(1), Relator: ROBERTO BORGES DE OLIVEIRA DATA de Julgamento: 27/03/2007, Data de Publicação: 04/05/2007)
No mesmo sentido temos a seguinte jurisprudência:
Execução por título extrajudicial. Alegação de que o crédito não é exigível por se tratar de dívida de jogo.Descabimento. Cheque emitido na Argentina em pagamento de obrigação contraída em cassino.Inexigibilidade da lei brasileira, que não vigora em respeito à soberania da Argentina. Obrigação que se mantém, ainda que seja nula a decorrente do aval, pois o título executivo resulta do cheque emitido à época, que não é negado pelo sacador que passou a entender inexigível com fundamento em exceção contemplada pela lei brasileira, cuja aplicação é excepcionada em razão de ter sido sacado no exterior, no interior de cassino, em país que admite o jogo, onde, aliás,voluntariamente se dirigiu para tal fim à época. Recurso improvido.
(1061338200 SP , Relator: Mauro Conti Machado, Data de Julgamento: 10/02/2006, 18ª Câmara de Direito Privado A, Data de Publicação: 23/05/2006)
É bom deixar claro que existem jurisprudências em sentido contrário, porém todas elas defasadas. Atualmente o jogo e a aposta estão previstos no CC/2002, artigos 814 a 817. O legislador praticamente manteve intacta a inteligência dos artigos 1.477 a 1480 do CC/1916; a única ressalva está na inserção dos parágrafos 2º e 3º ao artigo 814.
Com base na jurisprudência recente adotada pelo nosso Supremo Tribunal Federal, resta certa a possibilidade de êxito em ação pleiteado por credor em virtude de devedor de jogos de azar com origem no exterior.
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